Estar na Bahia foi para mim uma evolução religiosa.
Vestida com o pior do meu conservadorismo neopentecostal fui crendo que encontraria apenas religiões de matrizes africanas e que de alguma forma o cristianismo seria abominado, já que foi ali que toda essa desventura cristã iniciou suas vertentes pelo nosso país.
No primeiro dia em solo baiano nossa guia se apresentou como membra da tribo pataxó, nos fez bradar axé e logo depois me surpreendeu afirmando que a religião predominante era o catolicismo. Me decepcionei. Esperava enfim, beber da fonte e mergulhar nas religiões das quais desconheço completamente. Pensei, que chato! Jesuítas de merda!
Os dias foram passando e de repente eu me vi vivendo nas músicas de Maria Bethânia. Era um sentimento mesclado. Era um sincretismo intrínseco ao meu sentimento religioso de duas faces, uma magoada com o evangelho e outra receosa com as religiões desconhecidas. Mas também era uma paz que transcendia. Eu me sentia permitida a admirar os feitos cristãos, fossem eles arquitetônicos ou históricos, mas também me sentia atraída a respeitar o mar regido por uma mulher forte e encantadora, me entregava a ouvir e sentir a natureza protegida pelos deuses indígenas, uma natureza tão densa e pesada que pulsava como um membro do meu corpo. Em três nózinhos amarrei meus pedidos pra Nossa Senhora D’Ajuda. Entendi o perdão ao ver que mesmo devastada pelo cristianismo as tribos locais ainda flertam com o verdadeiro sentimento cristão. Me emocionei ao ver um túmulo em forma de útero na qual os indígenas colocavam seus mortos devolvendo à terra um corpo pronto para uma nova gestação. No último ano da faculdade entendi enfim o sentimento de Jorge Amado, vivi José de Alencar e entendi o amago das músicas de Bethânia, o que me tornou ainda mais amante de suas letras.
No último dia, já sem medo do desconhecido, nua do meu conservadorismo neopentecostal entrei no mar, pedi “xô urucubaca” que significa “má sorte ou má energia” tanto em tupi quanto em bantus, amarrei uma fitinha no tornozelo e agradeci a Jesus por aqueles dias vividos ali. No final da oração, amém, mas axé também, pra que toda sorte de coisas boas me acompanhassem nesse retorno ao estado mais arrogante e conservador deste país. Na mala, entre cacau, cachaça e fitinhas, trouxe um respeito absoluto por todas as religiões possíveis, trouxe uma força, uma resistência, um jeito novo de encarar a vida. Estes paulistas e paulistanos que acham que nordestino é isso ou aquilo nunca estiveram no nordeste, ou se estiveram, não se permitiram sentir a beleza e o multiculturalismo que é a verdadeira cara do Brasil. O nordeste me deu Bethânia e Caetano, Marighella, Jorge Amado, Gilberto Gil, Augusto dos Anjos, Rachel de Queiroz, Gonçalves Dias,  gerou Macabéa, João de Santo Cristo,  Chicó e João Grilo, Fabiano e Baleia, o nordeste sustentou nas costas esse país todinho, o nordeste é pai e mãe de todos nós. Você sente que voltou pra casa quando chega lá.















URNA FUNERÁRIA EM FORMATO DE ÚTERO