Nasceu João, preto, pobre, criado no solar, por tão pouco não nasce escravo, se livrou da herança maldita que fez cativos seus pais.
O daqui é mais um João, preto, pobre, só mais um filho da periferia, cresceu sem pai e sem mãe e a gente já sentia qual caminho ele trilharia.
Era só mais um menino que sonhava a frente, sem pensar na cor de sua pele corria contra o tempo para ser visto como gente.
Vislumbra o que ninguém de pele preta pôde ser, e em contraste com a vida se entrega ao alvo pó, pra passar despercebido, compensar a cor que ninguém quer ter.
Seguia sendo João, mas oras, filho de escravo não fala rebuscado, deixa disso menino bastardo, gente preta não nasceu pra escrever, ainda assim escrevia, sonhava, ia ser jornalista e um futuro bom ia ter.
Aqui dia após dia os sonhos morriam nas vielas sombrias nos becos sem saída, mas bem vivos e armados eram seus pesadelos que o atormentavam ao som de sirene e cores branco, preto e vermelho.
Foi João do Colombo, da Tribuna Popular e do Moleque, viu que preto que era reconhecido, algo muito alvo, de fúlgidas brancuras ele teria produzido. Decidiu, faria pó...a mais forte, pura e alucinante póesia.
João aqui iludia os moleque com beck, fazia-os sonhar apenas em portar talão de cheque, prendia por se sentir preso, as oportunidades se fechavam em leque, afinal o sistema sempre foi máquina de oprimir moleque.
Morreu sendo João, sua poesia mais alva não lhe safara do destino que sua pele lhe perpetuaria, querido apenas pela dama de preto que o buscaria. Tuberculose, fome e alma abatida, virou astro luzente no breu universal, e seus poemas, pólen de ouro para nossas almas presas neste lamaçal. 
O pó branco não o salvou, a polícia não perdoou, a pele preta o condenou, se viu jogado numa viela qualquer, viu as chagas em sangue abertas, escorrendo em rios, viu a vida lhe soltando fio a fio, viu a morte brincando de bem-me-quer, fechou os olhos e lembrou que quando moleque sonhava em ser poeta, mais a fraca escola e o forte corre da favela o afastara de quem ele realmente era. Lembrou dos versos que escondeu na gaveta, respirou fundo e fez do fim seu instante poema.
João morreu João ninguém, mais o ressuscitaram enfim como Cruz e Souza, sobrenome doado por seus brancos senhores, agora aclamado pelo mundo por todo seu brilhantismo, esqueceram que era preto o poeta e o nomearam senhor do simbolismo.
João morreu sem identidade, maloqueiro, cheirador e traficante que parecia ter nascido pra seguir na atividade, mas era só mais um garoto perdido, sem motivos, banido do sistema social, mais uma vítima fatal de toda opressão policial.
Lembrei do João hoje cedo, não consegui impedir de deixar uma lágrima cair, não só pelos Joãos que se foram, mais por tantos outros que eu sei que hão de vir.


Por: Karol Lombardi.